Corre, gorda! - a amargura da acelga
- Maria Gisele Knust
- 10 de jul. de 2017
- 4 min de leitura
Isso mesmo, a-cel-ga!
A rúcula é muito amarga e a alface batida.
Couve?
Não!
Eu disse alface!
A alface é batida. Não é batida de bem picadinha, não, igual fazemos com a couve, é batida de muito usada, sabe? Não gosto.
Até poderia ser a rúcula, porque de doce essa estória não tem nada.
Mas será Acelga!
O motivo?
É o mesmo pelo qual um diretor americano brilhante, franzino e incompreendido aparece em muitos dos seus filmes sem ter o menor talento para atuação: a crônica é minha.
Hoje eu fui fazer avaliação funcional na academia. Descobri que meu índice de massa corpórea está fora do padrão.
Fui recebida pelo simpático e experiente professor, daqueles bem magrinhos, sabe? Com percentual de gordura baixíssimo e que sobe em balança destemidamente?
Esse!
Santa maria mãe de Deus, conhecer um homem que pesa menos que você é difícil de digerir.
Vamos lá...
Questionário padrão, respostas atravessadas! Lógico!
Quem gosta de ser questionada o quanto pesa de top e bermuda colante?
- Faz atividades regularmente?
- Sim.
- Fuma?
- Não.
- Bebe?
- Não.
- Dores?
- Não.
- Doença na família?
- Nenhuma.
- Blá?
- Blá.
- Blu?
- Blu.
- E bló?
- Bló.
- Tudo bem, sobe na balança.
Silêncio...
Se consciência pesasse mesmo, eu tinha quebrado a bendita.
- É... você pesa mais que eu!
Suor, suor, suor, suor... eu vou matá-lo!
- Fica em pé e ereta, vou ver o percentual de gordura.
- Levanta o braço direito. Agora o esquerdo... perna, perna, quadril, cintura. É ... percentual de gordura bem acima do desejado.
Lembra da rúcula?
Amargou agora!
- Deita, vamos verificar seu alongamento.
- Pode por a blusa?
- Sim, claro.
- É... bem abaixo do desejado. Agora faz um abdominal, vou ver sua força no abdome.
Respiro fundo... eu vou matá-lo, eu vou matá-lo...
- É... fraquinho também.
Vai ser agora, eu vou matá-lo!
Olho ao redor da sala e procuro alguma coisa que pudesse causar algo acidental, mas que o marcasse para sempre, afinal ele estava fazendo o mesmo comigo.
Cadê?
Cadê?
Cadê?
Sala fria, escura e inútil, não é possível que não tenha nada por aqui.
- Step, já fez?
- Como?!
- Step?
- Tanto faz!
- Tanto faz o que? Do que você está falando? Tá tudo bem?
- Uhum.
- Então vem cá, vou colocar três minutos tá? Mas acho que você não agüenta. Vou ligar o metrônomo, daí sobe e desce no ritmo dele.
Voz embargada.
- Tá bom!
Sobe!
Desce!
Sobe!
Desce!
Sobe...
Olho pro metrônomo e lembro das aulas de violino quando eu tinha quinze anos, nenhuma preocupação, perna fina, cintura maior que o quadril mas o metrônomo não me dava tanto medo.
Desce!
Sobe!
Desce...
- Vinte segundos...
- Só faltam vinte?
- Não! Só passaram vinte.
Ah cristo, agora quem morre sou eu!
Não vou parar, não vou parar, não vou parar...
Eu caio dura, mas não paro!
Metrônomo: tec... tec... tec... tec...
Eu to morrendo, eu to morrendo... eu to morrendo.
- Quarenta segundos, quer parar?!
- Só passou quarenta?
- Não! Só faltam quarenta.
Metrônomo: tec... tec... tec... tec...
- Acabou, pode sentar aqui, vou ver o seu pulso. É...
Lá vem ele com esse "É" reticente de novo, que ódio!!!
- Bom... se tratando do seu estado geral, até que não está ruim.
Grrrhhhhhhhhhhhhh!
- Olha... pra essa coisa do alongamento vou te dar umas dicas...
Naquele momento em que o gatinho ouviria "blá-blá-blá whiskas sachê" eu só captava intercostal, subcostal, músculo transverso, serráteis posteriores, transverso do abdome...
zzzzzzzzzz
Acordo!
Ele?
Continua sem fim...
- As pessoas comem demais... É tudo uma questão social, as pessoas tem que entender que não tem necessidade de tudo isso. Tem mais gente que precisa comer, você sabia? O tigre por exemplo, ele caça uma corça hoje e depois passa quatro dias para conseguir outra, porque eu tenho que me alimentar cinco vezes por dia? Eu sou polêmico, não precisa seguir o que eu falo. As pessoas me criticam sabe, dizem que uma hora eu vou cair duro. Mas eu tenho que me cuidar, estou próximo dos quarenta e a coisa toda da genética é fogo, uma hora você pesa setenta quilos e de repente "bang" você tá pesando cento e cinco e nem se deu conta, e aí já era, não volta nunca mais.
Vou imprimir todo o relatório, tá? Guarda com você. Em três meses você será avaliada novamente, ok?
- Ok? Menina? Tá tudo bem com você?
- Oi, tudo bem, sim... acabou?
- Sim.
- Obrigada.
- Por nada, seja bem-vinda.
- Uhum.
Saí da sala e fui andando calmamente até o vestiário, não tinha certeza quanto tempo eu tinha passado lá dentro. Sabe aquela sensação de toca do coelho? Foi mais ou menos isso, mas eu não tinha conseguido vencer o jaguadarte.
Tomei banho, me troquei, desci e fui procurar alguma coisa pra comer. Eu tinha que fazer algo normal pra retornar do país desconhecido e entender se aquilo tudo realmente tinha acontecido.
Fui num restaurante típico, dos que costumo ir normalmente. Todas as pessoas da fila pareciam magras e felizes, com uma cara saudável. E eu lá, quem me conhece sabe que eu nunca como sozinha. Pra vocês verem como meu combate tem sido pesado.
Comecei a ver o cardápio e pedi:
- Um hambúrguer de lentilha e uma salada de acelga, por favor?
Meu Deus eu não acredito que pedi isso!!!
Hambúrguer de lentilha não é carne, e acelga?
Santo Deus, o que é acelga?
Chegou!
Gostei?
Não!
Comi?
Sim!
E meu índice de massa corpórea que eu disse lá no início que está fora do padrão já sei como vou dar um jeito.
Preciso crescer vinte centímetros!
Alguma dica?
Quando eu entender se isso tudo realmente aconteceu, eu volto lá na academia e mando ele plantar acelga porque batata é carboidrato!
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