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O mundo acaba, você fica

  • Foto do escritor: Maria Gisele Knust
    Maria Gisele Knust
  • 29 de jul. de 2015
  • 1 min de leitura

Fica firmado o acordo que todo homem deve nascer com, pelo menos, oitenta anos.

"Nasce.

Fica mais novo, mais novo, mais novo até morrer de infância.

- Meu filho nasceu! Oitenta e quatro anos, mas perfeitinho. Ele mesmo foi até o cartório e se registrou como João Paulo.

Casa aos sessenta, e a cada dia que passa tem uma mulher mais e mais jovem.

Rico.

Sábio.

Aposentado.

Vai cada vez ganhando menos, menos, menos dinheiro, até entrar para a faculdade e desaprender tudo.

Sonhador.

Ingênuo.

Descompromissado.

Do carro para a bicicleta, da bicicleta para o velocípede.

Desaprende a andar.

Esquece como engatinhar.

Mamadeira.

Peito.

Fralda.

Descobre a desinvenção [sic] da roda.

O desconhecimento da pólvora.

Do fogo.

Adão: o último primeiro homem diante de Deus.

Deus: ao invés de lhe soprar vida, a aspira para dentro de si.

Silêncio.

Fim."

- Acorda!

- O que houve, meu filho?

- Sonhei com o fim do mundo, mamãe.

- Calma, meu anjo.

Aconchega-se entre as costelas da mãe e as costas do pai.

Agarra um pedaço do lençol.

Encolhe-se em posição fetal.

- Descansa, filho, amanhã é o seu aniversário. Precisará estar disposto para assoprar setenta e oito velinhas.

Arregala os olhos, fita as mãos débeis.

Sente o quadril vacilante.

Percebe o frescor da beleza juvenil de sua mãe.

Respira fundo e repete baixinho, como um exercício, enquanto se acalma percebendo o seu diafragma.

- Cheira a flor. Sopra a vela. Cheira a flor. Sopra a vela.

- O que disse, filho?

- Mãe, quando eu acabar o mundo acaba?

- O mundo é que acaba, meu filho. Você, fica!


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